domingo, 12 de julho de 2009

Policiais matam inocentes impiedosamente


Estarrecedor matança

Quatro inocentes teriam sido assassinados em SP. Quatro pessoas morrem em uma ação do Departamento de Narcóticos (Denarc) no interior de São Paulo. A polícia diz que elas eram traficantes e atiraram nos policiais. Mas uma investigação da própria polícia e do Ministério Público mostra uma farsa: uma execução sumária de quatro inocentes desarmados, que não reagiram.

Imagens do dia 11 de julho de 2003 mostram o Denarc - principal departamento da Polícia Civil de combate às drogas em São Paulo - comemorando o resultado de uma operação em Porto Feliz, no interior do estado.
A polícia afirma que, ao chegar a um sítio, dois investigadores foram recebidos a bala. Um deles acabou ferido nas costas. Segundo o Denarc, na troca de tiros, foram mortos dois homens e duas mulheres, que estariam armados e seriam traficantes.
“Aqui fica fácil de você pulverizar a droga e não tem muita fiscalização como em São Paulo”, disse o delegado Everardo Tanganeli, na época.
Hoje, seis anos depois, a Corregedoria da Polícia Civil e o Ministério Público afirmam que há fortes indícios de que delegados e investigadores mentiram e que quatro inocentes foram executados.
Na região, encontramos parentes dessas pessoas e testemunhas da ação policial. Também tivemos acesso a detalhes da investigação.
Eram 7h30, e os policiais tinham um mandado de busca. Dois ficaram mais distantes, enquanto outros dois entraram no sítio. Eles não usavam roupas da polícia.
A primeira ação foi prender um funcionário. O caseiro viu a cena, estranhou o movimento e atirou contra os policiais. Ele atingiu um investigador e fugiu.
“O caseiro tirou, porque pensou que era bandido, que estava invadindo a chácara. Eles não estavam com roupa de polícia, estavam à paisana”, conta o agricultor Ademir Lopes da Silva.
Segundo o Ministério Público, depois que o investigador foi ferido, a equipe do Denarc quis vingança e começou uma série de execuções. A investigação mostra que o primeiro a ser morto foi Luiz Carlos, um funcionário do sitio de 16 anos, que estava desarmado. Ele morava em uma casa simples, com o pai e a avó. O jovem estudava à noite. De dia, ficava no sítio.
“Ele cuidava da horta. Às vezes, lidava no chiqueiro dos porcos. Era muito boa pessoa. Ele era uma maravilha. Nunca fez nada para ninguém”, garante a avó Elvira Camargo da Silva.
“Meu filho nunca teve problema com delegacia, nem com a professora. Todos queriam bem”, lembra Odacir Lopes da Silva, pai de Luiz Carlos.
Luiz Carlos era filho único. “Vou falar a verdade: para mim arrebentou tudo por dentro. Ele morreu de graça”, lamenta Odacir.
De acordo com os promotores, a segunda pessoa a ser assassinada foi a mulher do caseiro: Ilza Araújo, de 41 anos. Ela dormia quando os policiais invadiram a casa.
“Ela limpava a casa, lavava roupa, fazia tudo. Eu ouvi falar que ela ficou trabalhando lá uns seis meses”, diz Herminegildo Araújo, ex-marido de Ilza.
Segundo a investigação, a chacina continuou em outra casa, onde estavam quatro crianças e o casal Flávia de Castro e Edson Tomaz, que tinha passagem na polícia por furto.
Nós localizamos um menino e uma menina, que na época tinham 9 e 6 anos. Os irmãos vivem hoje escondidos. Eles viram tudo.
“Quando eles chegaram, meu pai estava com meu irmão no colo. Ele falou assim: ‘solta esse menino senão ele vai morrer junto com você’. Meu pai falou, ‘não, por favor’. Ele começou a chorar e ajoelhou no chão. Na hora em que ele soltou o meu irmão, ele foi lá e atirou. Mas meu pai tossiu. Ele chutou meu pai e falou assim: ‘seu desgraçado, você está vivo ainda’. Ele foi lá e deu um tiro nas costas do meu pai”, conta a filha do casal.
De acordo com o Ministério Público, outro agente do Denarc matou a mãe das crianças, que também estava desarmada e não reagiu. As crianças não sabem explicar por que não morreram e dizem que, depois das execuções, os policiais começaram a ter atitudes estranhas.
“Nós fomos para trás da casa. Então, o cara veio com a arma na mão. Eu vi ele colocando a arma na mão do Buda”, lembra o menino.
Buda era o apelido que o rapaz de 16 anos, Luiz Carlos, tinha desde criança. Ele foi o primeiro a ser morto. Há outros indícios de que os policiais alteraram a cena do crime.
“Os policiais estavam dando tiro na parede”, descreve o filho do casal que testemunhou a morte dos pais.
Uma testemunha que passava por lá, naquele dia, conta que depois de 15 a 20 minutos da chegada dos policiais, eles continuavam dando tiros e muitos. O que chamou a atenção da testemunha é que os policias estavam próximos da casa e atiravam no sentido do portão, onde não havia ninguém. Para a corregedoria, isso foi uma farsa: uma tentativa de simular um confronto entre moradores e policias.
Localizamos a testemunha: “Eles atiravam para o lado do portão, e não tinha ninguém no portão. As pessoas já estavam mortas, com certeza” conta.
E mais: a perícia não encontrou droga no sítio. Entre os policiais que participaram da operação estão o delegado Sérgio Lemos, que é acusado de alterar a cena do crime, e o agente José Virgilio Junior. Segundo a investigação, foi Virgílio quem matou o pai das crianças.
“Fiquei vendo a hora em que deu um tiro no meu pai”, diz o filho da vítima.
Em 2007, o agente do Denarc chegou a ser preso. De acordo com a corregedoria, logo depois de ser solto, ele tentou sequestrar a menina que presenciou o assassinato do pai. Ela diz que só conseguiu escapar, porque teve ajuda de pessoas que passavam pela rua.
“Eu reconheci o policial. Ele falou assim: ‘ainda eu te pego. Você vai ver, você e seus irmãos. Ainda te pego’”, conta a jovem.
José Virgilio foi preso novamente, expulso da Polícia Civil, e hoje responde às acusações em liberdade.
O Fantástico procurou Virgílio e a direção do Denarc na época da chacina. Todos preferiram não comentar as denúncias. O delegado Sérgio Lemos não foi encontrado pela nossa equipe.
Policiais são investigados por execução sumária Quatro inocentes teriam sido assassinados em SP.Agora, a corregedoria afirma que descobriu mais uma mentira dos policiais que invadiram o sítio. No dia da chacina, nem todos eram do Denarc. A investigação revelou que, no grupo, havia um informante da polícia, que também é acusado de participar das execuções.
Na casa dele, foram encontrados coletes à prova de balas, capuz, armas e muita munição. O suspeito foi reconhecido por testemunhas e aguarda o fim da investigação em liberdade. Nos próximos dias, a corregedoria vai pedir a prisão dos acusados da chacina até o julgamento. A pena pode passar dos 40 anos.
“Os policiais perderam a mão e fizeram toda a bobagem que fizeram. Mataram quatro pessoas inocentes”, diz o advogado das crianças Agnaldo Guimarães.
“Esses caras têm que ser punidos”, afirma o agricultor Ademir Lopes da Silva.

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